Portugal Vs. Spain bickering brothers

Guest   Sun Feb 12, 2006 11:23 am GMT
Denis-

Tu escreve bom Brazuguês. Non pobrelemo. Viva o Brazuguês. Abaxio o Pretoguês.
Guest   Sun Feb 12, 2006 11:35 am GMT
>>Eu sou brasileiro e nós somos brasileiros aqui e fazemos o que bem entender com a nossa língua. Até mandar ela para a puta que pariu! >> [Denis]

Pergunta:

Quem foi a puta que pariu a língua portuguesa no Brazil?

Resposta:

Foi a puta portuguesa analfabeta que pariu os brazileiros. A puta ensinou aquilo que sabia.
Todos juntos: 1, 2, 3 e..   Sun Feb 12, 2006 3:47 pm GMT
brazileiro poliglota fala Brazugues , língua do pê (p), dialeto de palavras invertidas etc etc

Primeira lição:
"Vamos marfu um rogaci" traduzido "vamos fumar um cigarro".

prrrbllllprrr
Segunda lição   Sun Feb 12, 2006 4:20 pm GMT
Vamos conjugar o verbo "marfu"

Presente indicativo

Eu marfu
Tu marfu
Ele marfu
Ela marfu
Nós marfus
Vós marfus
Eles/elas marfus

Viva o Brazuguês!
Aula de poesia   Sun Feb 12, 2006 5:02 pm GMT
Contra os plebeus e néscios do Brasil.

Que me quer o Brasil, que me persegue?
Que me querem pasguates, que me invejam?
Não vêem que os entendidos me cortejam?
E que os nobres é gente que me segue?

Com seu ódio a canalha que consegue?
Com sua inveja os néscios que motejam?
Se quando os néscios por meu mal mourejam,
fazem os sábios que a meu mal me entregue?

Isto posto, ignorantes e canalha,
se ficam por canalha, e ignorantes
no rol das bestas a roerem palha.

E se os senhores nobres e elegantes
não querem que o soneto vá de valhas,
não vá, que tem terríveis consoantes.

[Gregório de Mattos]
Guest   Sun Feb 12, 2006 5:11 pm GMT
Viva o Gregório! Que isto está a aquecer!!!
Kelly BraZUKA   Sun Feb 12, 2006 8:11 pm GMT
Viva o Gregório! Que isto está a aquecer!!!

baita feiúra essa língua de vocês
a língua lusa
nheca!
Terceira lição   Sun Feb 12, 2006 8:30 pm GMT
Viva a brazuca. Viva a nheca! Viva a gramática brazuguesa!

Vamos conjugar o verbo baitar

Presente do indicativo

Eu baita
Tu baita
Ele/ela baita
Você baitas
Vocês baitas
Eles/elas baitas
Aula de prosia   Mon Feb 13, 2006 8:59 am GMT
Bué da feio essa língua de vocês
a língua brazugueza:


Tinha cara de preguiça,
cabeça de mono véio,
e pescoço de aribú!
A boca, quando se ria,
taquarmente parecia
a boca de um cangurú!
Tinha as oreias de porco
e os dentes de caitetú!
Tinha barriga de sapo,
e o nariz, impipocado,
figurava um genipapo!

Os braços era taliquá
dois braços sirigaitado
d' um veio tamanduá!
Os óios - dois berimbau!
As pernas finas alembrava
as pernas d' um pica pau!
O queixo de capivara
tinha um bigode pru riba,
que quase tapava a cara!
O cabelo surupinho
era, sem tirá nem pô,
cabelo de porco espinho!



Im conclusão, prá findá,
tinha os dedos de gambá,
os hombros redondo e chato
e os pé que nem pé de pato!

Inda mais prá cumpletá
aquela xeringamança
e feiúra de pagóde,
o hôme quando se ria,
era um cavalo rinchando,
e quando táva suando,
tinha um ôroma de bóde.

Apois bem. Esse raboeza,
que era prú todas as bocas
chamado : Chico Beleza;
esse horríve lobizome,
que era mais feio que a fome,
mais feio que o Demo inté
quando as pernas sacudia,
sambando nargum banzé
enfeitiçando as viola,
apaixonando as muié,
trazia tôda as cabôca,
cumo um capaxo, dibaxo,
das duas sóla do pé!!!

[Catulo da Paixão Cearense]
Anti-gramática   Mon Feb 13, 2006 9:55 am GMT
Kayo Sun Feb 12, 2006 9:09 am GMT
“Nós, no Brasil, presos à gramática "portuguesa", somos vítimas de uma desintegração dolorosa de nós mesmos. [...]
A língua brasileira, já ninguém discute isso, diverge da portuguesa; é esta, entretanto, que a escola continua a ensinar ao brasileiro”.

(Mário Marroquim, 1931: 169-171)

Pobrezinhos é tão doloroso assim se desintegrar de si mesmo?
Malvada gramática "portuguesa" continua a fazer vitimas no Brasil.
Não sabem que a escravatura gramatical acabou á muito tempo?
O Brasil não é mais uma colonia para a exploração de letras e consoantes.
A lingua brasileira só pode ser ser uma colónia dos Streptococcus salivarius não da gramatica Portuguesa!

Viva a lingua solta, fora com a lingua presa!
Quarta Lição   Mon Feb 13, 2006 10:48 am GMT
Mundo! Contra a gramática, marchar! Marchar!

Viva o Brazuguês!!!

Vamos conjugar o ver tá

Eu tá
Tu tá
Ele/Ela tá
Você tá
Vocês tá
Eles/Elas tá
Quinta lição (Brazuguês)   Mon Feb 13, 2006 1:20 pm GMT
Vamos conjugar o verbo tá

Futuro do indicativo

Eu táratá
Tu táratás
Ele/ela táratá
Você táratátá
Vocês táratátá
Eles/els tárátátá

Pretérito

Eu tává
Tu tává
Ele/ela tává
Você tává
Vocês tává
Eles/elas tává
Kelly   Tue Feb 14, 2006 11:27 am GMT
ENSINAR PORTUGUÊS OU ESTUDAR BRASILEIRO?

Mesa-redonda na 52a Reunião da SBPC, Universidade de Brasília, 11 de julho de 2000

Marcos BAGNO

Lendo o texto dos Parâmetros Curriculares Nacionais referentes à Língua Portuguesa, encontramos a seguinte afirmação:

há muitos preconceitos decorrentes do valor social relativo que é atribuído aos diferentes modos de falar: é muito comum se considerarem as variedades lingüísticas de menor prestígio como inferiores ou erradas. O problema do preconceito disseminado na sociedade em relação às falas dialetais deve ser enfrentado, na escola, como parte do objetivo educacional mais amplo de educação para o respeito à diferença. Para isso, e também para poder ensinar Língua Portuguesa, a escola precisa livrar-se de alguns mitos: o de que existe uma única forma ‘certa’ de falar — a que se parece com a escrita — e o de que a escrita é o espelho da fala — e, sendo assim, seria preciso ‘consertar’ a fala do aluno para evitar que ele escreva errado. Essas duas crenças produziram uma prática de mutilação cultural que, além de desvalorizar a forma de falar do aluno, tratando sua comunidade como se fosse formada por incapazes, denota desconhecimento de que a escrita de uma língua não corresponde inteiramente a nenhum de seus dialetos, por mais prestígio que um deles tenha em um dado momento histórico.

Tenho me dedicado nos últimos anos a uma investigação detalhada do preconceito lingüístico, investigação que resultou em dois livros e, mais recentemente, numa tese de doutoramento. De fato, como os Parâmetros enfatizam, existe um profundo preconceito lingüístico no Brasil. No entanto, no texto que acabo de citar só se fala do preconceito que pesa sobre as variedades lingüísticas menos prestigiadas ou, melhor dizendo, sobre as pessoas que falam variedades lingüísticas menos prestigiadas. Porque é isso mesmo que acontece: as pessoas é que são estigmatizadas, desvalorizadas e aviltadas em sua própria identidade individual e social sob a alegação de que "falam tudo errado" ou "não sabem português". A principal conclusão a que cheguei em minha investigação foi essa: o preconceito lingüístico não existe. O que existe é o uso da linguagem como desculpa válida e aceitável para excluir uma pessoa dos bens sociais aos quais ela deveria ter direito pelo simples fato de ser uma pessoa. Como já dizia o lingüista italiano-brasileiro Maurizzio Gnerre: "Uma língua ou variedade de língua vale o que valem seus falantes". Mais recentemente, o lingüista britânico James Milroy escreveu: "Numa época em que a discriminação em termos de raça, cor, religião ou sexo não é publicamente aceitável, o último bastião da discriminação social explícita continuará a ser o uso que uma pessoa faz da língua".

Assim, num país como o Brasil, que embora tenha a décima economia mais rica do mundo, também tem o mais alto índice de concentração de renda e de injustiça social, não é de admirar que os milhões de brasileiros que falam variedades lingüísticas consideradas não-padrão sofram todo tipo de acusação preconceituosa como "não saber português", "falar tudo estropiado", "falar língua de índio", "falar uma língua sem gramática", ou mesmo ter algum tipo de "inferioridade mental". Essa, aliás, é uma situação que, em graus variados, a gente pode encontrar em muitas sociedades, inclusive nas sociedades efetivamente democráticas (coisa que a brasileira está muito longe de ser). E que situação é essa? A situação em que os grupos dominantes de uma sociedade, os grupos detentores dos bens políticos, econômicos e culturais de uma sociedade, acreditam que são também os detentores de uma língua mais correta, mais bonita, mais cultivada. Isso se verifica em praticamente todo lugar, como as palavras de James Milroy, referindo-se à Inglaterra, deixam bem claro. E aqui no Brasil não é diferente: as pessoas excluídas do poder político e do poder aquisitivo também são excluídas do poder falar.

No entanto, a situação lingüística do Brasil é ainda mais dramática. Os brasileiros letrados não só discriminam o modo de falar de seus compatriotas analfabetos, pobres e excluídos, como também discriminam o seu próprio modo de falar, a sua própria variedade lingüística. Podemos dizer, portanto, que o preconceito lingüístico no Brasil se exerce em duas direções: de dentro da elite para fora dela, contra os que não pertencem às camadas sociais privilegiadas; e de dentro da elite para ao redor de si mesma, contra seus próprios membros. Existe na mentalidade dos brasileiros em geral, e das camadas cultas em particular, a convicção muito arraigada de que no Brasil ninguém fala bem o português, a convicção de que só os portugueses é que sabem português. No plano individual, é muito comum ouvir a afirmação absurda, proferida por pessoas cultas e inteligentes, com escolaridade superior completa: "eu não sei português".

Assustado com essa situação, comecei a refletir sobre o por quê desse fenômeno que chamo de "auto-aversão lingüística". Por que o brasileiro deprecia tanto o seu modo de falar? Vou propor algumas explicações, que depois a gente pode discutir aqui em conjunto. Uma delas é o que chamo de "fantasma colonial".

Passados mais de 170 anos de independência política, a sociedade brasileira ainda conserva muito de sua estrutura colonial. Em outras ex-colônias européias, houve uma grande movimentação popular a favor da independência, uma revolução que implicou não somente no corte dos vínculos políticos e econômicos com a metrópole, mas também na transformação das relações sociais e econômicas que estruturavam a sociedade colonial. No Brasil, porém, nada disso aconteceu. Nossa independência foi tramada de cima para baixo, num movimento que tem caracterizado todos os grandes momentos políticos da nossa história. Basta lembrar que o mesmo homem que até então era o regente da coroa portuguesa, da metrópole colonial, foi quem proclamou a independência e se autonomeou em seguida imperador do Brasil. Esse mesmo homem, mais tarde, voltaria para Portugal para defender o trono português contra um suposto usurpador. Que independência então foi essa?

O império brasileiro, do ponto de vista social, político e econômico, não era muito diferente do Brasil colonial: a economia permaneceu essencialmente agrária, o trabalho escravo continuou em vigor por mais meio século, a estrutura latifundiária não sofreu alteração, a economia e os negócios permaneceram nas mãos de uma pequena elite, não houve nenhum tipo de democratização das relações de poder e exploração. O mesmo se pode dizer da passagem do regime monárquico para o regime republicano. A proclamação da República foi pura e simplesmente um golpe militar praticado pela alta cúpula do exército, e não um movimento social a favor da democratização da sociedade.

Talvez possamos ver nisso tudo algumas das explicações para as três grandes características da sociedade brasileira, praticamente inalteradas desde a época colonial: autoritarismo, oligarquismo e elitismo – politicamente autoritária, economicamente oligárquica e culturalmente elitista. A ausência da participação popular nesses momentos históricos revela o grande abismo que sempre separou a imensa maioria do povo da pequena elite dominante. Em nenhum outro lugar do mundo os ricos são tão ricos e os pobres são tão pobres: nosso país é campeão mundial de concentração de renda e de injustiça social.

Sem se identificar com o povo, querendo o tempo todo manter e aumentar esse abismo, as nossas elites sempre se comportaram como uma força colonial, como um grupo alheio aos interesses do povo, e por isso mesmo sempre buscou se identificar com algo que está fora daqui, em algum paraíso exterior e superior, que mais recentemente se transferiu de uma Europa idealizada para um nebuloso "primeiro mundo", lugar onde tudo é bom, bonito e certo.

Essa pesada herança colonial, evidentemente, também tem seus efeitos sobre a língua que falamos. Para começo de conversa, essa língua tem um nome que denuncia sua exterioridade, seu não-pertencimento a este lugar chamado Brasil: a língua se chama "português". Eu não sou português, e se essa língua tem esse nome é porque ela pertence a um outro, não pertence a mim. Ora, quem mais poderia falar bem e certo uma língua chamada "português" se não um povo também chamado "português"? Não é óbvio e evidente? Assim se cristalizou essa certeza, tão impregnada na nossa mentalidade, no nosso imaginário: brasileiro não sabe português, e nunca vai poder saber, porque somente os portugueses conhecem bem a língua, que é deles. Por mais que a gente insista e se esforce, só conseguiremos falar um arremedo de língua, um português estropiado, cheio de erros, de barbarismos e de solecismos, sobretudo por causa da influência de povos menos civilizados na nossa cultura, como os negros africanos e os índios nativos. Sim, porque não devemos esquecer que, além de autoritária, oligárquica e elitista, a sociedade brasileira é entranhadamente racista.

É assim que procuro explicar essa auto-aversão lingüística dos brasileiros, inclusive dos brasileiros cultos, das camadas sociais escolarizadas e de maior poder econômico. Para a grande maioria das pessoas, só em Portugal se fala bem o português, e poucos são os brasileiros que conseguiram atingir esse ideal lingüístico, esse paraíso do bem falar: alguns poucos escritores, os autores das gramáticas e dos dicionários, os professores de língua. É fácil encontrar provas do que estou dizendo. Basta abrir os jornais, ouvir o rádio ou ver a televisão. A mídia costuma ser um bom espelho do senso comum. Aqui vão alguns poucos exemplos:

Folha de S. Paulo, 4/1/2000, Marilene Felinto: "Basta pensar que a língua brasileira é outra. Uma pequena mostra de erros de redação coletados na imprensa revela que o português aqui transformou-se num vernáculo sem lógica nem regras".

O Dia, 28/2/1999, Arnaldo Niskier: "A língua portuguesa propriamente dita é bastante difícil".

Revista Época, 14/6/1999: "O uso do gerúndio empobrece o texto. Lembre que não existe gerúndio no português falado em Portugal".

Jornal do Brasil, coluna Língua Viva: "Sempre me perguntam onde se fala o melhor português. Só pode ser em Portugal".

Programa de TV, Nossa Língua Portuguesa: "O que acontece é que a língua portuguesa "oficial", isto é, o português de Portugal, não aceita o pronome no início da frase."

Não é preciso nem enfatizar o quanto essa ideologia é prejudicial ao ensino no Brasil.

O que existe, então, na nossa cultura, é uma divisão bastante nítida. De um lado, temos uma norma-padrão, um ideal de língua que se baseia ainda no uso feito pelos chamados grandes escritores, e que tenta espelhar a língua falada e escrita em Portugal, apesar de todos os grandes movimentos literários, desde o romantismo de José de Alencar até o modernismo de Mário de Andrade, que tentaram incorporar à literatura as opções lingüísticas características do brasileiro. Do outro lado, temos todo o grande conjunto das variedades lingüísticas do português brasileiro, que não são padrões ideais, mas realizações concretas, e que, em seus grandes traços comuns, constituem o nosso vernáculo, a nossa língua materna.

Como poderíamos começar a desconstruir essa ideologia lingüística reacionária? Como democratizar o nosso ambiente lingüístico?

A brecha que encontrei para nós começarmos a subverter esse estado de coisas foi o adjetivo "culto". As gramáticas normativas, a pedagogia tradicionalista e os atuais representantes do conservadorismo gramatical que se apoderaram da mídia usam muito o adjetivo "culto" para se referir ao padrão lingüístico ideal que eles dizem ser o único admissível, a única forma legítima de "português". Vamos ver alguns exemplos do uso do adjetivo "culto".

Os filólogos Celso Cunha e Lindley Cintra, ao apresentarem sua Nova gramática do português contemporâneo, de 1985, assim escreveram: "Trata-se de uma tentativa de descrição do português atual na sua forma culta, isto é, da língua como a têm utilizado os escritores portugueses, brasileiros e africanos do Romantismo para cá".

Esses autores, na linha dos estudos gramaticais tradicionais, desde o século III antes de Cristo, continuam associando língua culta com linguagem literária. A gramática deles, portanto, só deveria, teoricamente, ser consultada por quem quisesse escrever um texto literário. No entanto, as regras que ela descreve e prescreve supostamente valem para todas as demais formas de uso da língua.

O que se pode verificar, porém, é que os autores de gramáticas normativas terão cada vez mais dificuldades para colher nas obras literárias os exemplos para o suposto "uso correto" da língua. Os escritores há mais de um século vêm se rebelando contra essa instrumentalização de seu trabalho estético, e na produção literária moderna e contemporânea é muito fácil encontrar, para cada exemplo de uso tradicional, muitas opções lingüísticas que nenhuma gramática consideraria "recomendável" ou "certa".

Evitando falar de literatura, o conhecido compêndio gramatical de Domingos Paschoal Cegalla é apresentado do seguinte modo: "Este livro pretende ser uma Gramática Normativa da Língua Portuguesa, conforme a falam e escrevem as pessoas cultas na época atual". Muito bem. Mas quem são essas pessoas cultas? Que critérios o autor utilizou para classificá-las assim: onde, quando e com que metodologia científica? Ele não esclarece, e o que vemos, consultando o livro, é que os exemplos são tirados ou de sua própria imaginação ou, mais uma vez, de obras literárias.

Mais complicada ainda é a situação dos programas de televisão e textos de imprensa assinados por Pasquale Cipro Neto. Consultando os roteiros do programa "Nossa Língua Portuguesa", por exemplo, a gente encontra uma profusão de termos e expressões, empregados sem a menor distinção: "linguagem formal", "texto formal", "uso culto", "padrão formal", "padrão culto", "língua culta", "norma culta". Em nenhum momento o autor se dá o trabalho de definir o que entende com os substantivos "linguagem", "padrão", "língua" e "norma" e com os adjetivos "culto" e "formal", tomando-os todos como plenamente equivalentes, como sinônimos perfeitos. Essa inconsistência terminológica reflete uma inconsistência teórica, conceitual, e deixa evidente o despreparo do autor para lidar com esses temas.

Para começar a desmontar todos esses equívocos, seria interessante introduzir na prática pedagógica, nos cursos de Letras e, se possível, no senso comum, o conceito de falante culto que vem sendo empregado pela pesquisa lingüística brasileira há mais de trinta anos. Nessa linha de trabalho científico, chama-se de falante culto aquele indivíduo nascido e criado em ambiente urbano e que possui nível de escolaridade superior completa. Com esses dois critérios, antecedentes urbanos e escolaridade superior, já se desenvolveu um volume formidável de trabalho científico no Brasil, bastando citar como exemplos o Projeto NURC, que visa compilar e documentar as variedades urbanas cultas de cinco grandes cidades brasileiras, e o Projeto da Gramática do Português Falado que, com base no corpus do projeto NURC, pretende descrever os fenômenos lingüísticos mais interessantes da língua falada pelos brasileiros cultos.

Se passarmos a empregar esse conceito de falante culto, talvez possamos propor que o padrão lingüístico a ser usado como referência geral seja baseado nos usos feitos pelos brasileiros cultos, e não mais na escrita literária. Afinal, esses brasileiros cultos representam uma parcela privilegiada da população geral, porque tiveram condições, num país extremamente injusto, de percorrer todo o trajeto da educação formal, passando pelos onze anos do ensino básico e médio, mais os quatro-cinco anos do curso superior. Durante este período de mais ou menos 15 anos, o indivíduo teve um contato intenso com a língua escrita em muitos dos seus gêneros, com a linguagem científica e técnica, com a literatura, teve de ler e escrever textos, resumos, resenhas, monografias, dissertações etc. Quem chegou ao término dessa trajetória pode, com toda propriedade, ser classificado de falante culto.

E é aí que podemos começar a subverter os conceitos de português certo e errado que vigoram na nossa cultura. Como? Investigando a língua realmente falada e escrita pelos brasileiros cultos. O que essa investigação revelará é que existe uma distância enorme entre a norma-padrão tradicional e a língua realmente empregada pelos falantes cultos do português do Brasil. Eu recentemente fiz uma pesquisa neste sentido e para provar essa distância vou mostrar rapidamente aqui os resultados do meu trabalho. Não vou entrar em grandes detalhes lingüísticos, porque o que me interessa aqui, neste momento, é apresentar um programa político para melhorar a situação do ensino de língua na escola.

Na minha pesquisa, escolhi cinco fatos sintáticos e tentei comparar a prescrição das gramáticas normativas e dos tradicionalistas da mídia com os usos lingüísticos efetivos de brasileiros cultos de cinco zonas urbanas diferentes: Recife, Salvador, Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre. Os fatos sintáticos examinados foram:

1) Orações relativas

2) Retomada anafórica de objeto direto de 3a pessoa

3) Sujeito acusativo

4) Passiva sintética

5) Regência dos verbos ir e chegar

Vou dar uma explicação rápida de cada um. As orações relativas que estudei são aquelas em que aparece um verbo regido por preposição. Nesse caso, temos a regra padrão, que exige a preposição antes do pronome relativo, e duas regras não-padrão: uma em que a preposição aparece depois do verbo com um pronome-cópia, e a outra em que a preposição é simplesmente apagada. O exemplo da regra padrão é: "Este é um filme de que eu gosto muito". Exemplo da regra não-padrão copiadora: "Esse é um filme que eu gosto muito dele". Exemplo da regra não-padrão cortadora: "Esse é um filme que eu gosto muito".

A retomada anafórica de objeto direto de 3a pessoa, pela regra padrão, se faz usando um pronome oblíquo: o, a, os, as. Em oposição a ela, existem também aqui outras duas regras não-padrão: o uso do pronome ele como objeto direto, e o o apagamento do objeto. Exemplo da regra padrão: "Comprei este livro, mas ainda não o li". Regra não-padrão com pronome reto na função de objeto: "Comprei este livro, mas ainda não li ele". Regra não-padrão com pronome nulo: "Comprei este livro, mas ainda não li".

A tradição gramatical chama de sujeito acusativo o pronome que exerce ao mesmo tempo a função de sujeito de um verbo e de objeto de outro. Essa situação ocorre com os verbos mandar, fazer, sentir, deixar, ouvir e ver seguidos de infinitivo. A regra padrão exige que esse pronome esteja na forma oblíqua, enquanto a regra não-padrão usa o pronome na forma reta. Exemplo da regra padrão: "Maria não me deixou entrar". Exemplo da regra não-padrão: "Maria não deixou eu entrar".

A passiva sintética eu prefiro chamar de pseudopassiva sintética, porque para mim não existe passividade nenhuma nessas construções, mas sim uma construção ativa com sujeito indeterminado representado pelo pronome se. Segundo a regra padrão o certo é dizer "Não se fazem mais filmes como antigamente". A regra não padrão diz: "Não se faz mais filmes como antigamente". É a velha história do "aluga-se salas" ou "alugam-se salas".

Finalmente, a regência dos verbos ir e chegar. Enquanto a tradição exige, para o verbo ir, as preposições a e para, uma indicando menos permanência e a outra indicando mais permanência, existe no português do Brasil um uso não-padrão em que o verbo ir é regido pelas preposições para e em, na indicação de menos permanência, e pela preposição para, na indicação de mais permanência. Temos então a oposição entre "Vou ao cinema", padrão, e "vou no cinema / vou para o cinema", não padrão. Para o verbo chegar a norma-padrão cobra a preposição a, enquanto a regência não-padrão se faz com a preposição em: "Cheguei a Brasília hoje" contra "cheguei em Brasília hoje".

Sem entrar em maiores detalhes, quero apresentar apenas os números finais, que são os seguintes. Usos prescritos pela norma-padrão: 80 ocorrências. Usos condenados pela norma-padrão: 713 ocorrências. Lembrem-se que estamos examinando a língua falada por brasileiros cultos. Vejam que a diferença é mesmo muito grande: 10.1% de observância das regras tradicionais, contra 89.9% de usos não aceitos pela gramática normativa. No total, houve quase 9 usos não-padrão para cada uso padrão. É uma diferença gritante. Como se pode ver, mesmo os falantes que a gente pode classificar como cultos, que foram expostos durante 15 anos às regras gramaticais padronizadas prescritas pela tradição, mesmo esses não conseguem observar essas regras o tempo todo, e se deixam levar pela gramática intuitiva de sua língua materna, que é o português do Brasil.

E por que eles não conseguem observar essas regras? Porque essas regras não atendem às nossas necessidades expressivas e comunicativas, elas não dão conta de nossas exigências de interação verbal, e principalmente porque essas regras não fazem parte da nossa gramática, da gramática da nossa língua materna. Só para dar um exemplo radical: os pronomes oblíquos de terceira pessoa (o, a, os, as) simplesmente já desapareceram completamente da fala dos brasileiros, cultos inclusive. O pronome relativo cujo também não ocorreu uma única vez na minha investigação.

Por que não empreender então uma reforma da norma-padrão, admitindo nela os usos já plenamente consagrados na língua falada pelos brasileiros, inclusive pelos que podem ser classificados de cultos? Por que continuaremos a renegar nossa própria língua materna? Não seria mais justo e democrático permitir que todos nós falássemos e escrevêssemos "o filme que eu gosto", "eu não conheço ele", "ninguém viu eu entrar", "aluga-se salas", "cheguei em Brasília", já que é assim que falam diariamente os 160 milhões de brasileiros, letrados ou iletrados, de norte a sul do país, em todas as camadas sociais? Por que tentar vestir a nossa língua com uma camisa-de-força modelada e costurada mais de cem anos atrás, no outro lado do Atlântico? Não seria a hora de afugentar para sempre o fantasma colonial?

Existe então, inegavelmente, uma distância enorme entre a língua realmente falada (e até mesmo escrita) pelos brasileiros cultos e aquele padrão ideal de língua que até hoje aparece nos compêndios gramaticais, nos livros didáticos e nos investimentos gramaticais da mídia e da multimídia, padrão que é cobrado nos vestibulares, nos concursos públicos e assim por diante.

Ora, o que existe, então, é uma verdadeira esquizofrenia lingüística. E essa esquizofrenia vem sendo detectado há muito tempo pelos estudiosos da língua do Brasil. Já em 1921, por exemplo, o historiador e filólogo João Ribeiro escrevia:

A nossa gramática não pode ser inteiramente a mesma dos portugueses. As diferenciações regionais reclamam estilo e método diversos. A verdade é que, corrigindo-nos, estamos de fato a mutilar idéias e sentimentos que nos são pessoais. Já não é a língua que apuramos, é o nosso espírito que sujeitamos a servilismo inexplicável. Falar diferentemente não é falar errado. A fisionomia dos filhos não é a aberração teratológica da fisionomia paterna. Na linguagem como na natureza, não há igualdades absolutas; não há, pois, expressões diferentes que não correspondam também a idéias ou a sentimentos diferentes. Trocar um vocábulo, uma inflexão nossa por outra de Coimbra é alterar o valor de ambos a preço de uniformidades artificiosas e enganadoras. (1921: 8-9)

Outro grande nome da pesquisa lingüística brasileira, Mário Marroquim, autor de A língua do Nordeste, afirmava em 1931:

Já algumas formas sintáticas dialetais firmaram-se de tal forma na linguagem de todas as classes, que estão entrando na literatura. São erros, olhados à luz das regras gramaticais. Estão certas, porém, dentro da realidade lingüística. Representam a forma e o encadeamento necessário e lógico das palavras para exprimir idéias. E as idéias têm uma força de expansão interior impossível de ser contida por diques gramaticais, quando estes impedem a sua marcha normal para a clareza e para a sua justa expressão.

É uma violência inútil ajeitar-se uma idéia a um molde inadequado que a comprime, que a machuca, que a deforma, somente porque esse molde assentava bem a essa idéia há 100 anos passados.

É martírio para a mocidade que aprende e humilhação para o mestre inteligente que ensina, esse bilingüismo dentro de um só idioma – essa unidade exterior, de superfície, de duas línguas que se repelem, a língua que falamos e a língua que escrevemos. [...]

Nós, no Brasil, presos à gramática "portuguesa", somos vítimas de uma desintegração dolorosa de nós mesmos. [...]

A língua brasileira, já ninguém discute isso, diverge da portuguesa; é esta, entretanto, que a escola continua a ensinar ao brasileiro. (1931: 169-171)

Passados setenta anos desde a publicação dessas palavras sensatas, é quase espantoso que ainda se divulgue com tanto alarde na imprensa e nos demais meios de comunicação uma ideologia lingüística conservadora e retrógrada, que deprecia os usos lingüísticos caracteristicamente brasileiros como se fossem verdadeiros aleijões gramaticais.

Na mesma linha de argumentação de Marroquim, o lingüista Mario Perini, em Sofrendo a gramática (1997: 31-38), fala da distância entre o "português" (a norma-padrão, escrita) e o "vernáculo" (a língua falada pelos brasileiros):

O português e o vernáculo são, é claro, línguas muito parecidas. Mas não são em absoluto idênticas. Ninguém nunca tentou fazer uma avaliação abrangente de suas diferenças; mas eu suspeito que são tão diferentes quanto o português e o espanhol, ou quanto o dinamarquês e o norueguês. Isto é, poderiam ser consideradas línguas distintas, se ambas fossem línguas de civilização e oficialmente reconhecidas.

Mas sendo as coisas como são, tendemos a pesnar que o vernáculo é simplesmente uma forma errada de falar português. Só que, para que o vernáculo fosse "errado", teria de existir também uma forma "certa" de falar; mas no Brasil não se fala, nem se pode falar português. [...]

Agora, uma observação: o vernáculo é a língua materna de mais de cento e cinqüenta milhões de pessoas, que o utilizam constantemente e não conhecem outra língua. Mas não se escreve a não ser em ocasiões particulares, não aparece na grande imprensa e não tem grande tradição literária; além disso, não é reconhecido como língua oficial. [...]

Continuamos a escrever em português e a considerar o vernáculo uma maneira errada de falar. Pessoalmente, não tenho grandes objeções quanto a se escrever português; mas acho importante que se entenda que ele é (pelo menos no Brasil) apenas uma língua escrita. Nossa língua materna não é o português, é o vernáculo brasileiro – isso não é um slogan, nem uma posição política; é o simples reconhecimento de um fato.

É essa distância entre o que a tradição gramatical e o ensino conservador chamam de "português" – um conjunto de regras voltadas essencialmente para determinados usos escritos da língua – e a língua que os brasileiros realmente falam (e escrevem em situações em que não está sob o olhar policialesco da tradição e da escola), é essa esquizofrenia lingüística, esse dilema que temos de enfrentar diariamente — é tudo isso que constitui o tipo especial de diglossia que temos no Brasil.

Especial porque, na maioria dos contextos sociais em que existe bilingüismo, como no Paraguai, os falantes dominam as duas línguas em contato, sabendo reconhecer as instâncias de uso de cada uma. Mas aqui no Brasil não é assim. Uma reduzida parcela da população tem acesso ao "português", isto é, à norma-padrão, enquanto a maioria da nossa população só dispõe de seu vernáculo materno. Ao contrário, então, do Paraguai, temos aqui, sim, uma situação de diglossia, mas não temos bilingüismo. E isso por causa da situação de tremenda injustiça social que caracteriza a sociedade brasileira.

Também Mary Kato, autora de importantes trabalhos sobre as questões da escrita na escola, enfatiza que

a língua dos textos escolares, para as camadas que vêm de pais iletrados, pode parecer tão estranha quato a de um texto do século XVIII para o lingüista iniciando-se em estudos diacrônicos. O Brasil apresenta assim um caso extremo de "diglossia" entre a fala do aluno que entra para a escola e o padrão de escrita que ele deve adquirir. (1993: 20)

Convém ressaltar, porém, que essa diglossia não existe apenas entre a fala do aluno originário de uma classe social desprestigiada e a língua da escola: também existe uma enorme distância, como se viu aqui, entre a língua falada pelos brasileiros cultos e o "português" que a escola tenta ensinar.

Outro nome importante da Lingüística brasileira, Rosa Virgínia Mattos e Silva, depois de fazer uma avaliação das discrepâncias entre as regras prescritas pela norma-padrão e os usos reais verificados na língua falada pelos brasileiros cultos, faz a seguinte reivindicação:

Que venham a convergir, no possível, o que se fala com o que se lê! (1995: 88)

No que diz respeito à educação, essa situação diglóssica pode ser resumida na seguinte pergunta, que na verdade é um dilema: "Ensinar o português ou estudar o brasileiro?" Qual dessas duas atividades deve ser o foco da nossa atenção como professores de língua?

Acredito que somente a pesquisa nos ajudará nessa tentativa de dar vez e voz à língua falada no Brasil. Para isso, é necessário que cada vez mais se introduza, na aula de língua, as atividades de pesquisa. É praticamente inevitável que tenhamos de continuar a "ensinar português", isto é, a transmitir os pacotes gramaticais prontos que a tradição exige e a sociedade em geral cobra. Mas, ao mesmo tempo, podemos fazer nossa pequena guerrilha, nossa subversãozinha. Vamos estudar o brasileiro. Vamos levar para dentro da sala de aula o maior volume possível de língua viva, falada e escrita, e não somente de variedades cultas, mas de todas as variedades, e de todos os gêneros possíveis: texto literário "clássico", texto literário "moderno", notícias de jornal, história em quadrinhos, crônicas assinadas, páginas da Internet, gravações de documentários na televisão, de programas de rádio, de telenovelas, de programas de entrevistas, de gravações de fala espontânea de pessoas de diversas extrações sociais, geográficas e assim por diante. O professor de português não pode mais ser apenas um repetidor da doutrina gramatical normativa, que ele mesmo (tantas pesquisas mostram) não domina integralmente. Ele deve se converter num pesquisador e orientador de pesquisas a serem empreendidas por ele junto com seus alunos.

Tenho a esperança de que um conhecimento maior e melhor da língua falada no Brasil possa trazer à tona uma verdade, já anunciada em 1921 por João Ribeiro e em 1931 por Mário Marroquim: a língua do Brasil e a língua de Portugal são duas línguas diferentes. Conhecer o português do Brasil e sua dinâmica gramatical é, antes de tudo, reconhecer que a língua falada no Brasil é estruturalmente diferente da língua falada em Portugal. São duas línguas distintas, sobretudo se compreendermos língua como um feixe de variedades lingüísticas que compartilham mais semelhanças do que apresentam diferenças.

Em todos os níveis, a começar do fonético, a língua de Portugal e a língua do Brasil já apresentam mais diferenças entre si do que semelhanças. É o apego à sinonímia equivocada entre língua e escrita mais monitorada que ainda permite a muitos afirmar que no Brasil e em Portugal se fala a mesma língua. É a insistência em ensinar uma norma-padrão mais próxima dos usos escritos mais formais dos portugueses que permite alegar a existência, em ambos os lados do Atlântico e passados 500 anos do transplante, de "uma" mesma língua. Basta citar, como exemplos, as diferenças de comportamento das duas línguas no que diz respeito ao emprego de categorias vazias, à estrutura tópico-sujeito, à interpretação do sujeito nulo, à ergatividade (cf. Pontes 1987; Tarallo 1992; Galves 1998; Castilho 1999 etc.). A aparente semelhança do repertório lexical é uma ilusão que embota, muitas vezes, a visão dos fenômenos estruturais mais profundos e íntimos de cada uma das duas línguas. As análises pragmáticas têm demonstrado que muitas vezes uma mesma construção sintática têm interpretações totalmente diversas e responde a intenções comunicativas absolutamente distintas quando enunciada por um brasileiro e por um português.

Admitir a diferença entre as línguas é admitir, como normalmente se admite, a diferença entre as culturas. Ninguém jamais ousaria dizer que a cultura brasileira e a cultura portuguesa são a "mesma". Se admitirmos que toda cultura está estreitamente relacionada com a ecologia – solo, clima, topografia, hidrografia etc. – e também com os fatores etnográficos – a composição genética da população –, será imperioso abandonar a noção da "mesma língua", reconhecendo a familiaridade, mas nunca a identidade lingüística entre Brasil e Portugal. Investigações recentes de geneticistas brasileiros provaram que "a esmagadora maioria das linhagens paternas da população branca do país veio da Europa, mas que, surpreendentemente, 60% das linhagens maternas são ameríndias ou africanas". Se a ecologia é outra, se a composição genética é outra, se a cultura é outra, por que somente a língua seria a mesma? Como é que povos tão diferentes, com história e geografia tão distintas, com composição genética tão díspar, movendo-se em ambientes absolutamente diversos, sujeitos a sistemas políticos e econômicos diferentes, dentro de estruturas sociais nada parecidas, poderiam falar uma mesma língua, se todos esses fatores influenciam nas exigências comunicativas e nas necessidades expressivas de cada pessoa?

Para concluir, e fazendo uma síntese de tudo o que ficou exposto até este ponto, é preciso reconhecer que vigora na sociedade brasileira uma ideologia lingüística entranhadamente conservadora e retrógrada que, dissecada, revela a existência de um forte preconceito lingüístico, abastecido pela perpetuação de uma série de mitos irracionais sobre a língua falada no Brasil, preconceito que, assumido pelo próprio falante, desperta o sentimento da auto-aversão lingüística. A ideologia lingüística que vigora no Brasil é ainda mais perversa porque nem mesmo as classes dominantes acreditam "falar bem o português". A auto-estima lingüística dos brasileiros é, portanto, muitíssimo baixa, e isso em praticamente todas as classes sociais. O ideal de "língua certa" fica transferido para o outro lado do Atlântico – "só em Portugal se fala bem o português" – ou é atribuído a um nebuloso conjunto muito restrito de falantes (grandes escritores, professores de português, gramáticos e dicionaristas).

Fruto dessa ideologia lingüística é a inegável situação de polarização diglóssica que vigora no senso comum e, mais perniciosamente ainda, na escola brasileira. De um lado, temos a norma-padrão, associada, como ficou claro, à escrita mais monitorada, ocupando o pólo positivo dessa diglossia. Do outro, apresenta-se o português brasileiro, que reúne as características gramaticais compartilhadas pelos falantes brasileiros, inclusive os sociolingüisticamente classificáveis de urbanos e cultos. Essas regras gramaticais, no entanto, por não pertencerem à norma-padrão conservadora, são consideradas "erradas" e rejeitadas por aqueles que as empregam diariamente e fartamente em seu uso da língua. O português brasileiro ocupa o pólo negativo da diglossia, sobretudo por ser associado à língua falada, tradicionalmente acusada de ser "caótica", "desconexa", "incoerente" etc.

A diglossia estabelece, para quem se dedica a refletir sobre o assunto, um dilema muito agudo:

ou se tenta forçar todos os falantes a substituir sua língua materna por uma norma-padrão artificial e distante de sua gramática intuitiva, para que eles possam se assimilar ao tipo de sociedade (aristocrática, oligárquica, colonizada e excludente) que é a brasileira;

ou se tenta incentivar a normativização e padronização do português brasileiro, transformando ele numa nova norma-padrão, num novo padrão-língua que sirva de quadro de referência para as concepções de língua "certa" no senso comum.

Prefiro acreditar que a solução para o dilema se encontra em outro modo de ver as coisas, não sendo nem a substituição/assimilação nem a normativização/padronização. Não acredito que a simples reforma da norma-padrão seja a única estratégia capaz de dar início à desconstrução dessa ideologia lingüística antidemocrática. Proponho como agenda para a luta contra a discriminação lingüística (em sua estreita associação com a exclusão social) as seguintes tarefas, a serem empreendidas em primeiro lugar pelos lingüistas, pelos responsáveis pela formação dos professores de língua e por esses mesmos professores que atuam na escola, entidade-lugar que tem uma inegável influência na criação e preservação das idéias correntes na sociedade:

desconstrução do preconceito lingüístico por meio dos argumentos científicos capazes de desmontar cada um de seus mitos; denúncia do preconceito lingüístico nos meios de comunicação de massa; engajamento dos lingüistas e professores na luta pública contra o preconceito;

reconhecimento da norma-padrão como ideal imaginário, preso a visões de mundo antigas e há muito ultrapassadas; associação dessa norma-padrão com o passado colonial;

contraposição da norma-padrão a variedades reais de língua falada e escrita, documentadas em material autêntico;

admissão dentro da norma-padrão (isto é, na escrita mais monitorada) das regras sintáticas já consagradas no uso urbano culto, para começar a solapar a concepção da norma-padrão como entidade monolítica;

maior conhecimento das variedades, a começar das urbanas cultas para mostrar a distância entre a língua culta real e a norma-padrão supostamente "culta" das gramáticas normativas e dos comandos paragramaticais;

reconhecimento do português do Brasil como língua diferente do português europeu; desmistificação da propaganda lusófona de que o "português" é uma das línguas mais faladas no mundo e ênfase no fato de que o português do Brasil é que é uma das línguas mais faladas do mundo: 160 milhões de brasileiros num território maior que o da União Européia contra menos de 10 milhões de portugueses; enfatizar que nas ex-colônias africanas e asiáticas o português é mera língua oficial, não sendo portanto língua materna daquelas populações;

abandono da noção da suposta necessidade de um padrão-língua para regular os usos; reconhecimento de igual validade a todos os usos possíveis da língua;

reconhecimento da sinonímia norma-padrão = escrita +monitorada para empreender a desconstrução dessa sinoníma com o reconhecimento da heterogeneidade constitutiva da escrita como modo de enunciação e não mais como simples código para produção de enunciados;

valorização das variedades não-padrão menos prestigiadas com demonstração científica de seu funcionamento lingüístico perfeitamente regulado;

incentivo ao estudo da língua falada em sala de aula;

incentivo à prática da pesquisa lingüística pelos professores dos níveis fundamental e médio e, se possível, pelos alunos orientados por eles.

Por mais utópico que possa à primeira vista parecer, esse programa não é irrealizável. Sua viabilidade já vem sendo demonstrada na prática e na militância de muitas pessoas envolvidas na luta pela democratização efetiva do ensino de língua no Brasil, da língua do Brasil, do Brasil.

REFERÊNCIAS

BAGNO, M. (1997): A língua de Eulália. São Paulo, Contexto.

——- (1999): Preconceito lingüístico: o que é, como se faz. São Paulo, Loyola.

——- (2000): Dramática da língua portuguesa. Tradição gramatical, mídia & exclusão social. São Paulo, Loyola.

CASTILHO, A. (1999): "O português do Brasil", in ILARI, R. (1999): Filologia românica. São Paulo, Ática.

CUNHA, C. & CINTRA, L. F. L. (1985): Nova gramática do português contemporâneo. Rio de Janeiro, Nova Fronteira.

GALVES, C. (1998): "A gramática do português brasileiro", Língua e instrumentos lingüísticos, 1: 79-96.

MARROQUIM, M. (1931): A língua do Nordeste. São Paulo, Cia. Editora Nacional.

MATTOS E SILVA, R. V. (1995): Contradições no ensino de português. São Paulo, Contexto.

PERINI, M. (1997): Sofrendo a gramática. São Paulo, Ática.

RIBEIRO, J. (1921): A língua nacional. São Paulo, Cia. Editora Nacional.

ROBERTS, I. & KATO, M. (orgs.) (1992): Português brasileiro. Uma viagem diacrônica. Campinas, Unicamp.

TARALLO, F. (1992): "Diagnosticando uma gramática brasileira: o português d’aquém e d’além-mar no final do século XIX", in ROBERTS & KATO



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Gringo   Tue Feb 14, 2006 12:16 pm GMT
Kelly:
ENSINAR PORTUGUÊS OU ESTUDAR BRASILEIRO?

Dá para escrever tudo em brasileiro? Não consegui entender metade dessa lingua de gringo!Viva o vernacular!Temos que escrever em brasileiro quando reclamamos do portugues para eles verem como a gente fala e escreve diferente!
Kayo   Tue Feb 14, 2006 12:28 pm GMT
Sobre POBLEMA:


As pessoas pensam que a língua portuguesa se estrutura no século XVI, com Camões, e, a partir daí, permanece fixa, inalterável. A língua é processo dinâmico e é certo que algumas expressões se diluirão com o tempo; outras, entretanto, impõem-se, seguem o rumo da deriva e ficam para sempre assinaladas na história da língua.

Assim como a grafia de Camões pra cá mudou muito e não só a grafia, nos textos dele mesmo o pronome LHE NUNCA recebia plural mesmo que se referisse a um plural, entre outras mudanças de ordem das palavras e do uso do NÃO.

Claro, há mudanças que ocorreram e que a gente nem se dá conta, como o caso de "blanco" que virou "branco", por exemplo. Por que então dizemos que é deturpação da língua quando alguém fala "pranta"? Claramente a palavra segue a tendência do português na época de Camões. Ninguém diz que "branco" esteja errado. E pq? Porque claramente a norma adotou esta forma por questões que NÃO são lingüística, mas sociais, políticas, etc. Ou seja, por que um branco é aceitável e um "pranta" não (mesmo que seja usado em Camões?), ou um "proprema", mesmo que siga essa tendência? Isso nada tem a ver com a língua, não se iluda!